Monday, April 13, 2009

Mary Irrita: não sabe brincar não brinca!


Estava lendo os post do twitter hoje e vejo um colega dizer: aqui no TRT da 10ª Região você tem que dar graças a Deus de que TEM computadores. Não sei se ele estava se referindo aos cartórios da justiça, às salas da OAB ou ambas.

Como diria esse amigo, ter um computador é um milagre. Eu acho que devia ser OBRIGAÇÃO de todos os fóruns manterem uma sala com alguns computadores funcionais. E ambiente wi-fi aberto para os que têm notebook, evitando, assim, superlotação destas salinhas.

Mas infelizmente não é a realidade. E, quando há uma sala decente para os advogados, não há gente qualificada para tomar conta e manter os mesmos funcionando adequadamente. Gente pronta para dizer NÃO aos abuso por parte de advogados que insistem em usar a internet para ficar navegando quando colegas querem usar, assim como outros tipos de atitude que inutilizam as máquinas.

Mas enfim, voltando às salas de advogados e aos computadores. Não me conformava com o fato de que em 2006, na sala dos advogados da Justiça Federal de uma certa cidade, numa rua que tem nome de país, a dita sala continha DUAS MÁQUINAS DE DATILOGRAFIA mecânicas e UMA máquina elétrica, aquela da IBM, com globinho.

É tão humilhante que dá vontade de fazer petição à mão, mas como uma vez fui despachar e um juiz muito fresco se RECUSOU a me receber, dizendo que se tinha sala da dos advogados eu deveria usá-la e trazer a petição datilografada.

Quando desci na dita sala foi que tomei ciência da situação descrita dois parágrafos acima. Como se tal não bastasse, a sala estava cheia de advogados bem velhinhos, que estavam ali fazendo sua social, tomando cafezinho e conversando com o funcionário responsável pela sala.

Olhei para as máquinas e voltei no tempo.

Em minha casa sempre houve máquina de datilografar.

Meu pai, contador, pediu a seu patrão que o mandasse embora para que pudesse levantar o FGTS e dar entrada num apartamento próprio. Logo após a dispensa, começou a série de crises da década de 80 detonadas pelos arrochos salariais, gatilhos, congelamentos de preço e as empresas pararam de contratar, nem seu chefe conseguiu fazer algo a respeito. Então, sem opção, começou a trabalhar em casa com a sua velha máquina, um cliente aqui outro ali, eu tinha uns 6 ou 7 anos de idade e era fascinada pelo barulhinho, as teclas resistentes e a mágica de ver o texto aparecer numa folha de papel com letras perfeitas.

Era meu sonho de consumo.

TODO trabalho da escola eu fazia na máquina, a ponto de minha mãe ser chamada à escola para ser censurada por permitir que eu datilografasse meus trabalhos; que eu tinha que escrever para fixar a caligrafia pois era muito jovem. MORRI DE RAIVA.

Moral da história: para aplacar meus ânimos, ganhei de presente a possibilidade de fazer o curso de datilografia na escola ainda na 3ª séria. Três aulas semanais de 45 minutos o qual cursei e fiz provas até a quarta série, quando a escola parou de oferecer.

Continuei praticando em casa, pois sempre acreditei que saber datilografar, ainda que não fosse com os cinco dedos era importante e que um dia seria de grande valia. Eu mesma, confesso, sempre trapaceei com o dedinho mindinho e nunca prejudicou a qualidade nem a velocidade com que escrevo. Muito tempo depois vieram as máquinas elétricas e meu pai comprou umaIBM. Um pouco mais leve mas um avião!

Mas foi quando chegou a época dos computadores logo vi que meu destino seria escrever muito.

Não compreendo como datilografia não é matéria obrigatória nas escolas. Que ensino de informática é este que incentiva navegação através de cliques? Tinham que ensinar datilografia, incentivar os alunos a escrever mais. Imagine só, aulas de redação e apenas UM texto por mês? Quando eu fazia curso de inglês era uma redação POR AULA, ou seja, duas ou três por semana!

Em 1984 eu era uma criança e tinha esta consciência. Como podiam os adultos daquela época, em especial advogados NÃO SABER datilografar? Já que a máquina de datilografar existe há pelo menos 100 anos (meu pai tinha uma Olivetti e constava que a empresa italiana atuava no mercado desde 1908).

Se naquela época empurravam com a barriga, hoje então... empurra-se o conhecimento universitário; faz-se uma inclusão digital que dá acesso mas não ensina caminhos, sem contar que, hoje em dia, quase toda atividade intelectual está condicionada ao registro, ou seja, à escrita e, conseqüentemente, exige-se a datilografia.

Pois bem, lá estou eu entre os velhinhos. Peço as folhas, sento na máquina e chega um deles e gentilmente vem explicar como coloca a folha, já que “pessoas tão jovens como você nunca viram uma máquina de datilografar".

Sorrio e informo que fiz curso de datilografia aos 8 anos e que tenho certificado de conclusão para comprovar. Ele se afasta, olha desconfiado, ri e aponta para o colega e senta, cruzando as pernas e esperando por algo que o faça rir.

Coloco a folha, seleciono a marcação de margens (mecânica pra quem não sabia que existe), coloco a folha, estalo os dedos e começo a datilografar... barulhentamente. Os velhinhos arregalam os olhos não só por causa do barulho, mas também por causa da velocidade com que meus dedos afundam as teclas, voltam e afundam de novo. Sem erros. A cada barulhinho que o tambor faz no trilho, retornando ao início vejo eles rangendo os dentes.

Em um minutinho faço uma petição perfeita, usando o carboninho para cópia, uma página inteira. Sem erros. O tal velhinho resmunga: exibida!

Faço questão de virar e responder: exibida não, eu treinei para isso. Eu não cheguei aqui me oferecendo pra ajudar alguém como se fosse a rainha da cocada preta. Eu não fico exultando meus conhecimentos nem contando “causos” em que eu “salvei meu cliente”. Muito menos demonstrando como consegui decorar um código. Eu simplesmente faço meu trabalho e sigo.

O velhinho me olha e antes que ele diga alto completo: antes que o senhor diga que eu devo respeitar sua idade, digo eu, respeite a minha.

Eu fiz faculdade igual ao senhor, só que levei cinco anos para me formar ao invés de três ou quatro, como na sua época. Passei por uma prova da OAB pela qual o senhor não passou, entrei para um mercado de trabalho com 20 vezes mais advogados que na sua época. Na sua época, um advogado recém formado ganhava MUITO bem e podia ter família. Eu tenho 30 e ainda moro na casa dos meus pais.

Escritórios exploram não só estagiários como recém formados. Você se imagina, na sua época, ganhando 2 salários mínimos que nem uma amiga minha? Acredito que o senhor também não saiba inglês, espanhol, não tenha noções de informática, pois é o mínimo que exigem hoje em dia para pagarem salários pífios. Aliás, salário não, pro-labore, pois a coisa esa tão feia que ninguém contrata. Aposto que o senhor também não gasta dinheiro com cursos e livros pra se atualizar, pois ouvi o senhor citando artigos de um Código Civil que já caducou há TRÊS ANOS.

Então meu senhor, o senhor é que me deve respeito. Sou jovem, mas minha vida não é mole. Eu tenho muito mais conhecimento que o senhor tinha ao sair da faculdade e é por causa de pessoas como o senhor que tem muito advogado bom por aí ganhando menos que porteiro!

Eu não desrespeitei o senhor, fui educada e gentil quando cheguei. Se o senhor ficasse na sua e não tivesse feito gracinha, querendo se exibir, não teria estaria ouvindo nada disso.

Então, não venha querer tirar onda de me ensinar como usar uma máquina de datilografar igual à que existe na minha casa desde que nasci e que uso desde os 6 anos de idade como se eu fosse uma retardada que eu JURO que nunca vou explicar ao senhor como se lê um andamento processual para acabar com sua diversão de vir à justiça toda semana para aumentar a fila numa vara cheia de processos só pra saber se andou o seu processo, que você sabe que não andou. Perguntar não faz processo andar. Está bem para o senhor??

Ele ficou mudo, voltou ao lugar dele sem conseguir dizer nada e eu me fui.

Na semana seguinte, precisei voltar e lá estavam os mesmos advogados. Fazendo social. Não falaram nada, mas eu fiz. Sentei na IBM elétrica. A única coisa mais irritante e barulhenta que uma Olivetti. Minha especialidade.

2 comments:

  1. hahahahahahaha

    Talvez o velho só quisesse ajudar MESMO. Mas você está certa em não deixar brecha nem para isso, eu estou no final da faculdade de Direito, já conheço o ambiente dessas repartições, e sei muito bem como os advogados mais velhos não apenas nos subestimam, mas desrespeitam mesmo.

    E ah, é realmente irritante nos tempos de hoje ter que valer-se de uma máquina de escrever! Pelamor né, a verba para os computadores sempre "já saiu", mas eles nunca estão lá.

    Enfim, ótimo post.

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  2. Prezada Drama Queen,

    Quando você pensa que já viu de tudo, descobre que não conhece nada.

    Advogado velhinho é uma das coisas mais bizarras de se aturar que existe!

    Mas não são todos, que fique claro. Tem muitos que estudam, dão aulas, palestras, estão sempre renovando as idéias, para este bato palmas.

    Mas infelizmente não são o tipo que frequentam o forum, pois se frequentasse, eu ia tirar dúvidas na fila...

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